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quinta-feira, 28 de junho de 2012



"Às vezes, na estranha tentativa de nos defendermos da suposta visita da dor, soltamos os cães. Apagamos as luzes. Fechamos as cortinas. Trancamos as portas com chaves, cadeados e medos. Ficamos quietinhos, poucos movimentos, nesse lugar escuro e pouco arejado, pra vida não desconfiar que estamos em casa. A encrenca é que, ao nos protegermos tanto da possibilidade da dor, acabamos nos protegendo também da possibilidade de lindas alegrias. Impossível saber o que a vida pode nos trazer a qualquer instante, não há como adivinhar se fugirmos do contato com ela, se não abrirmos a porta. Não há como adivinhar e, se é isso que nos assusta tanto, é isso também que nos dá esperança." ~ Ana Jácomo

Queria ser...


Ah como eu queria ser um palhaço
Levar alegria pra todo lado
Encantar com magia o coração cansado
Reviver o sorriso em um rosto amarrado

Ah como eu queria ser um palhaço
Emocionar a noie com a luz do dia
Transformar tristeza em alegria
Dominar com o riso toda apatia

Ah como eu queria ser um palhaço
Jogar tudo pro alto e correr pro abraço
Fazer de todo encontro um forte laço
Ser o Pitaco, o Boso e até o Amasso

Ah como eu queria ser um palhaço
Pra no fim dizer: 'chega de rima, acabou'
Sair do picadeiro, fechar as cortinas
E continuar a fingir de amor a própria dor.
 

domingo, 24 de junho de 2012

Esta velha angústia – Álvaro de Campos



Mornidão, complacência, indecisão, desânimo – Palavras mal assimiladas por meus contemporâneos. Iguais a mim, todos treinados a encenar, dissimular, dores. Todos nós heróis de coisa nenhuma. Todos fantasmas, patéticos senhores de vaidades ocas.
Álvaro de Campos fala sem rodeio, expressa sem censura, grita sem escrúpulos. Sua angústia, sem querer, é nossa.

ESTA VELHA angústia,
Esta angústia que trago há séculos em mim,
Transbordou da vasilha,
Em lágrimas, em grandes imaginações,
Em sonhos em estilo de pesadelo sem terror,
Em grandes emoções súbitas sem sentido nenhum.
Transbordou.
Mal sei como conduzir-me na vida
Com este mal-estar a fazer-me pregas na alma!
Se ao menos endoidecesse deveras!
Mas não: é este estar entre,
Este quase,
Este poder ser que…,
Isto.
Um internado num manicômio é, ao menos, alguém,
Eu sou um internado num manicômio sem manicômio.
Estou doido a frio,
Estou lúcido e louco,
Estou alheio a tudo e igual a todos:
Estou dormindo desperto com sonhos que são loucura
Porque não são sonhos.
Estou assim…
Pobre velha casa da minha infância perdida!
Quem te diria que eu me desacolhesse tanto!
Que é do teu menino? Está maluco.
Que é de quem dormia sossegado sob o teu teto provinciano?
Está maluco.
Quem de quem fui? Está maluco. Hoje é quem eu sou.
Se ao menos eu tivesse uma religião qualquer!
Por exemplo, por aquele manipanso
Que havia em casa, lá nessa, trazido de África.
Era feiíssimo, era grotesco,
Mas havia nele a divindade de tudo em que se crê.
Se eu pudesse crer num manipanso qualquer -
Júpiter, Jeová, a Humanidade -
Qualquer serviria,
Pois o que é tudo senão o que pensamos de tudo?

Estala, coração de vidro pintado!

FONTE : http://www.ricardogondim.com.br/perolas/esta-velha-angustia-alvaro-de-campos/